Não era dada a brincadeiras de rua, não porque sua mãe não deixava, mas porque o contato humano e infantil quase não lhe fazia falta. Havia coisas que não conseguia fazer e, uma delas era subir nas escadas do escorregador do parquinho. Ela tentava, subia até o segundo degrau, mas ao terceiro suas pernas tremiam e sentia muito medo. As crianças passavam por ela em maratona, subiam as escadas, sentavam e acomodavam o bumbum lá em cima e podiam ter aquela sensação de liberdade. Pelo menos era isso que ela pensava... liberdade. Tinha alguns que abriam os braços e escorregavam como se estivessem descendo do céu a Terra. Ela engolia seco aquela vontade e se sentia muito triste. Seus pais até que tentavam ajudá-la, mas ela não permitia ajuda. Aprendera desde cedo, a lidar com as pequenas frustrações.
Mas quando chegava em casa e pisava com seus pequenos pés no tapete azul que cobria toda a sala, ela se sentia bem, rapidamente buscava a sua caixa, sua caixa de sapatos, dentro havia várias caixinhas de fosfóros e, cada uma carregava um sobrenome. Dentro de cada uma, existia vida, existia uma família. A menina minuciosamente montava sem pressa a sua cidade. Os botões de paletó eram os homens distintos que saiam logo cedo para o trabalho, as mulheres no geral ficavam em casa, cuidando dos botões menores. Era uma incrível cidade habitada por botões. Alguns tinham uma vida cheia de prazeres... enormes casas, empregados, viagens, muito dinheiro. Outros aceitavam um trabalho modesto. Não havia igrejas, os casamentos eram feitos em lindos parques, as noivas eram botões encapados de branco. Eram lindas!
A menina passava horas com seus botões. A mãe dizia que nem parecia ter uma criança em casa. A menina tinha fixação por botões e ficou assim também com as roupas das visitas, quando alguém chegava, a primeira coisa a olhar eram os botões e com isso imaginava como seria bom tê-los. Algumas vezes, acontecia de um botão se perder... alguns também se perdiam embaixo do sofá... e alguns morriam: morte natural ou jogados no lixo, por cometerem atos que fossem contra as regras da cidade dos botões. Mas o dia mais feliz para a menina era quando saia às pressas e contornava o quarteirão, chegando a casa da costureira. Ela a entendia tão bem. Das mãos habilidosas da simples costureira abria-se novas vidas, pois ela entregava a menina um pequeno saco de cor parda, que tilintava um barulho tão conhecido que enchia a menina de alegria e curiosidade. Eram novos botões... alguns já vinham velhos, maltrapilhos e logo seriam pacientes para o Dr. Henrique no hospital dos botões. Os já muito gastos eram avós que chegavam de outra cidade, alguns eram levados a habitar um pequeno asilo. Os pequenos, eram sempre as crianças... peraltas de todas as cores. Os dourados eram mulherem ricas e no geral fúteis, pois viviam a arrumar os cabelos e fazer as unhas. A costureira numa dessas entregas sorria e dizia a menina: - semana que vem haverá mais, tenho muitas roupas para consertar e fazer. A menina agradecia e saia feliz nomear os novos habitantes. Certa vez, chegou um botão que era comandante, ele era muito galanteador e muitas mulheres douradas se engraçaram por ele. Voltou ao mar e nunca mais o viram. A menina suspeitava que ele havia sido engolido pelo grande monstro feroz, que algumas vezes avançava pela cidade, quebrando e levando vários moradores embora na sua boca salivante. Sempre pedia que a mãe não deixasse Lady entrar em casa, era uma cadela sem modos e sempre provocava pânico entre os botões. O tempo foi passando e as idas a costureira continuaram, mas o número de botões fora diminuindo, muitas vezes a menina levava o saquinho pardo, mas por falta de interesse, nem abria, guardava na caixa de sapatos. Teve um dia que tomou coragem e disse que não precisava mais deles. Agora sentava na cadeira, e folheava a revista da moda, tinha ideias e queria ficar linda em saias, blusas e nas grandes coisas que gostaria de vestir.
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