Hoje choveu pedra, não foram muitas, mas o suficiente para me remeter a minha infância, sempre achei incrível cair pedras de gelo do céu, saia em disparada a pegar as tais pedras e colocá-las na boca. Que gosto bom, elas desapareciam, eram mágicas.
Como as coisas mudaram, conversando com um amigo, nos lembramos da época em que carregávamos nos bolsos, fichas telefônicas a tilintar. Você sempre avisava a pessoa do outro lado da linha - Olha só tenho mais uma ficha, pronto, a conversava não terminava, ficava um gosto de quero mais.
Se era conversa de amor, ficava um - puxa vida! Não deu tempo de falar como eu te amo.
Se era conversa entre neta e avó - puxa vida! esqueci de pedir doce de leite.
Eu adorava doce de leite da vovó, eu lembro do leite na panela, um leite grosso, não cheirava muito bem, tinha cheiro de vaca. Mas era quando ela colocava o açúcar que começava a minha angústia... o doce demorava demais! Eu sentava na cadeira laranja, lia os rótulos dos produtos e olhava para o relógio... eu não queria brincar, queria me concentrar porque acreditava que pudesse fazer o tempo passar mais depressa. Depois de horas no fogo, o cheiro de vaca, abria caminho para o cheiro do doce de leite, hum, cheiro bom, mas minha ansiedade aumentava mais ainda, porque depois era preciso esperar para o doce "secar" endurecer, para só depois de muito frio cortar. Vovó era diferente até para cortar doce de leite, cortava em formato de losangos. Eu amava aquela geometria. Muitas vezes mesmo sendo avisada, queimava dedos e língua. E quando esfriava, a vovó colocava num belo pote de vidro e deixava em cima da geladeira. Então era aquela vida, de subir na cadeira laranja, pra pegar os doces, um, dois, três, ia até quatro de uma vez. Só depois de tudo isso, eu conseguia brincar com a minha tia e o meu primo, depois de ingerido, o doce sorria na minha barriga e eu não tinha mais preocupações de espera.
De gelo fui pra doce, que conversa mais maluca, vai ver que é porque hoje eu deveria ingerir mais gelo e esquecer definitivamente os doces.
Tem hora que eu fico pensando por que as coisas desaparecem, surgem outras, inovadoras manifestações do futuro, mas se ganhamos muita coisa, também perdemos outras tão importantes. Hoje as pessoas se falam a quilômetros de distância, sem perigo da ficha cair, a conexão pode cair, mas isso só em casos de internet como a minha - uma porcaria. Já me peguei em uma sala, com umas cinco ou seis pessoas, sozinha, silêncio absoluto, elas estavam hipnotizadas pelo celular, onde conversavam o tempo todo. Mas nenhuma se dirigia a outra e dizia aquela conversa fiada pra puxar assunto - tá calor né?
Essas coisas me preocupam, ninguém teria a paciência de esperar o doce de leite ficar pronto, porque hoje tudo é pronto, acabado, finalizado e pronto pra começar de novo.