sábado, 21 de dezembro de 2013

indulgência


O final do ano passado, foi há dias atrás. O tempo está veloz demais é chegada a hora de mais um balanço de ano, de ver o que precisa ser jogado fora, o que precisa fazer parte da rotina, o que é preciso dar  mais atenção, o que é preciso correr atrás... É chegada a hora de estabelecer novas conquistas, novos desejos, novos planos... pois a vida é um sopro. 
Sempre falamos como sujeitos pro ativos que é preciso estabelecer metas, superar desafios, ganhar mais dinheiro, consumir mais, trabalhar mais, dar melhores resultados. O que acontece e, que nesse processo esquecemos de coisas tão simples, mas tão importantes. A vida nos leva e, não levamos a vida. Eu fiz uma pergunta: Estaria eu, Tatiana, satisfeita com a minha vida? Acho que esse ano pisei na bola com muitas coisas, principalmente a minha vida, o meu lazer, os meus amores, as coisas que considero fundamentais.
Me remeto então a palavra autoindulgência, que significa ser gentil com você mesma, ser tolerante, ter paciência , saber perdoar suas próprias falhas. Assim, em 2014 vou ser indulgente comigo mesma, vou diminuir o ritmo, vou olhar mais para as minhas plantinhas, afinal, tenho tão poucas, mas nem sequer vejo que daqueles pequenos botões sairam mini rosas, sem cheiro, mas de beleza grandiosa. Vou agarrar as orelhas do Nicolas, apertá-las, passear com ele de carro, ver alegria dos meus bichos, cuidar do Tião, da Duda, dar mais atenção a Theodora e marcar finalmente um banho medicinal para a minha  gata Frida. Quero levar meus  pais pra fazer passeios que fiquem guardados na retina e no coração. Quero colocar em pauta meus projetos de voltar ao violão, de contar histórias, de ser doadora de sangue e, de tudo mais. Dedicar mais aos aspectos pedagógicos da minha escola, de abraçar mais os meus alunos, de alimentar as pessoas com elogios. De olhar mais vezes para a minha amiga lua, de tomar mais cerveja com os amigos, de fazer uma atividade física que realmente me dê prazer, de cuidar mais da minha saúde, dormir melhor, comer melhor, viver melhor, consumir menos, ler mais, aprender sempre. Quero estar em harmonia e paz. 

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Feliz Aniversário Taninha

Para Sempre 
Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.

Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
- mistério profundo -
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho.
Carlos Drummond de Andrade



Taninha, 

Feliz aniversário, você é a pessoa mais importante da minha vida. 
Obrigada por tudo.
Te amo muito! 


segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

amor versus saudades



Há uma visão que demonstrações de amor, necessitam de dinheiro, que o amor é exibicionista. Ter o nome em uma faixa em pleno céu azul, na praia com os dizeres "Fulana, eu te amo" ou ter outdoors na cidade, naquela avenida mais movimentada, ou ter uma banda cantando sua música preferida na porta da sua casa,  receber flores em excesso ou ter aquela cena "nonsense" de comédia romântica, quando a mulher abre aquela caixinha aveludada e logo depois vem um pedido de "vamos ficar juntos".
Acho que grande parte das pessoas querem um amor assim, um amor público, um amor para que todos vejam. Acho que as pessoas querem assim, para efetivarem ao mundo que encontraram alguém, ou que são importantes na vida de outro. Eu odeio a alto piedade, mas sempre tive vontade de ser importante na vida de alguém, talvez tenha até sido, mas desconheço pelo histórico afetivo. Demonstrar amor, não necessita de conta bancária cheia. Demonstrar amor é cuidar, ligar, abraçar com força, beijar com vontade, oferecer colo , fazer amor se preocupando com o outro...  e sentir saudades. 
Quando não há mais saudades, o amor já foi...Descobrir que alguém já não sente saudades de você é a primeira reação de histeria, a primeira crise de nervosismo, seguida do abandono.
Amar alguém é algo tão simples, mas que o mundo se faz tão complexo. E demonstrar amor é algo tão fácil, como mandar uma mensagem, ligar no meio do dia, mandar um e-mail, dormir juntinho, passar a mão nos cabelos, preparar um café da manhã. 
Gostar de alguém é se preocupar é confiar e querer contar tudo o que se passa é pedir ajuda ou gritar por socorro. 



terça-feira, 19 de novembro de 2013

doce de leite

         


           Hoje choveu pedra, não foram muitas, mas o suficiente para me remeter a minha infância, sempre achei incrível cair pedras de gelo do céu, saia em disparada a pegar as tais pedras e colocá-las na boca. Que gosto bom, elas desapareciam, eram mágicas. 
          Como as coisas mudaram, conversando com um amigo, nos lembramos da época em que carregávamos nos bolsos, fichas telefônicas a tilintar. Você sempre avisava a pessoa do outro lado da linha - Olha só tenho mais uma ficha, pronto, a conversava não terminava, ficava um gosto de quero mais. 
          Se era conversa de amor, ficava um - puxa vida! Não deu tempo de falar como eu te amo. 
            Se era conversa entre neta e avó - puxa vida! esqueci de pedir doce de leite.
          Eu adorava doce de leite da vovó, eu lembro do leite na panela, um leite grosso, não cheirava muito bem, tinha cheiro de vaca. Mas era quando ela colocava o açúcar que começava a minha angústia... o doce demorava demais! Eu sentava na cadeira laranja, lia os rótulos dos produtos e olhava para o relógio... eu não queria brincar, queria me concentrar porque acreditava que pudesse fazer o tempo passar mais depressa. Depois de horas no fogo, o cheiro de vaca, abria caminho para o cheiro do doce de leite, hum, cheiro bom, mas minha ansiedade aumentava mais ainda, porque depois era preciso esperar para o doce "secar" endurecer, para só depois de muito frio cortar. Vovó era diferente até para cortar doce de leite, cortava em formato de losangos. Eu amava aquela geometria. Muitas vezes mesmo sendo avisada, queimava dedos e língua. E quando esfriava, a vovó colocava num belo pote de vidro e deixava em cima da geladeira. Então era aquela vida, de subir na cadeira laranja, pra pegar os doces, um, dois, três, ia até quatro de uma vez. Só depois de tudo isso, eu conseguia brincar com a minha tia e o meu primo, depois de ingerido, o doce sorria na minha barriga e eu não tinha mais preocupações de espera. 
          De gelo fui pra doce, que conversa mais maluca, vai ver que é porque hoje eu deveria ingerir mais gelo e esquecer definitivamente os doces. 
          Tem hora que eu fico pensando por que as coisas desaparecem, surgem outras, inovadoras manifestações do futuro, mas se ganhamos muita coisa, também perdemos outras tão importantes. Hoje as pessoas se falam a quilômetros de distância, sem perigo da ficha cair, a conexão pode cair, mas isso só em casos de internet como a minha - uma porcaria. Já me peguei em uma sala, com umas cinco ou seis pessoas, sozinha, silêncio absoluto, elas estavam hipnotizadas pelo celular, onde conversavam o tempo todo. Mas nenhuma se dirigia a outra e dizia aquela conversa fiada pra puxar assunto - tá calor né?
Essas coisas me preocupam, ninguém teria a paciência de esperar o doce de leite ficar pronto, porque hoje tudo é pronto, acabado, finalizado e pronto pra começar de novo.


terça-feira, 5 de novembro de 2013

Baobá, árvore sagrada





Eu deveria estar fazendo um relatório, mas comecei a pesquisar sobre os baobás, minha árvore favorita. Com certeza fui um baobá em outra existência, pois me fascina essa árvore bela, mistíca, onde tudo se aproveita. Sagrada, símbolo das histórias, símbolo da África, país que tanto almejo conhecer. Houve um tempo em que eu dormia com uma gravura do baobá embaixo do travesseiro, eu acreditava que poderia em sonhos abraçá-lo, ou entrar dentro dela. Ela vive muito mais de cem, de mil anos... Ela é a árvore de onde se colhem as histórias.
Eu adoro histórias de baobás...
Existe uma que começa assim...
Quando a vida começou, o criador, fez surgir tudo no mundo, mas ele criou primeiro foi o BAOBÁ!
Mas do lado do baobá, havia um charco e, o baobá se olhava, naquele espelho d´água e dizia insatisfeito:
Por que não sou como aquela outra árvore? Ora achava que poderia ser mais magra, ter mais cabelos, ser mais lisa... e assim ia... vivia reclamando da sua aparência.
O Criador que tudo ouvia, vivia a dizer que ela era linda, que havia sido sua primeira criação.
Mas o baobá implorava tanto por mudanças, que o criador que já estava com seu serviço atrasado, pois ainda tinha que fazer os homens, ficou tão irritado, mas tão irritado que agarrou o baobá, arrancou-o do chão e o plantou novamente, só que dessa vez... De cabeça para baixo, para que a árvore ficasse de boca calada. Isso explica a sua aparência, é como se as raizes ficassem em cima, na copa, parece uma árvore virada de cabeça pra baixo. Até hoje, dizem que os galhos do baobá, voltados para o alto, parecem braços, que continuam a clamar pelo Criador. Também existem outras histórias de baobás, uma delas, tem a presença de um coelho e de uma hiena, seja como for, o baobá sempre têm histórias pra contar!


sábado, 5 de outubro de 2013

A serra do Rola Moça




A Serra do Rola-Moça
A Serra do Rola-Moça
Não tinha esse nome não...

Eles eram do outro lado,
Vieram na vila casar.
E atravessaram a serra,
O noivo com a noiva dele
Cada qual no seu cavalo.

Antes que chegasse a noite
Se lembraram de voltar.
Disseram adeus pra todos
E se puserem de novo
Pelos atalhos da serra
Cada qual no seu cavalo.

Os dois estavam felizes,
Na altura tudo era paz.
Pelos caminhos estreitos
Ele na frente, ela atrás.
E riam. Como eles riam!
Riam até sem razão.

A Serra do Rola-Moça
Não tinha esse nome não.

As tribos rubras da tarde
Rapidamente fugiam
E apressadas se escondiam
Lá embaixo nos socavões,
Temendo a noite que vinha.

Porém os dois continuavam
Cada qual no seu cavalo,
E riam. Como eles riam!
E os risos também casavam
Com as risadas dos cascalhos,
Que pulando levianinhos
Da vereda se soltavam,
Buscando o despenhadeiro.

Ali, Fortuna inviolável!
O casco pisara em falso.
Dão noiva e cavalo um salto
Precipitados no abismo.
Nem o baque se escutou.
Faz um silêncio de morte,
Na altura tudo era paz ...
Chicoteado o seu cavalo,
No vão do despenhadeiro
O noivo se despenhou.

E a Serra do Rola-Moça
Rola-Moça se chamou.

Mário de Andrade
(1893-1945)

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

O Canário



 Katherine Mansfield morreu muito jovem, com 34 anos de idade, viveu tão pouco, mas escreveu de forma tão intensa.  Esse é um dos contos que mais adoro. 



...
Você vê aquele grande prego à direita da porta da frente? Dificilmente olho para ele, mesmo agora, e até hoje não tive vontade de arrancá-lo. Gostaria de pensar que ele fosse permanecer ali, mesmo depois de mim. Às vezes imagino as pessoas no futuro a dizerem: "Deve ter havido uma gaiola pendurada ali." E isso conforta-me; sinto que ele não está inteiramente esquecido.

... Você não pode avaliar como era maravilhoso o seu canto: não .cantava como os outros canários. E isto não é apenas fantasia minha. De minha janela, eu costumava ver as pessoas pararem em frente ao portão, para ouvir melhor, ou encostarem-se na cerca perto da falsa-laranjeira, um bocado de tempo, emocionadas. Suponho que você vá achar isso um absurdo — não acharia se o tivesse ouvido cantar —, mas parecia, realmente, que ele cantava as canções completas, com começo e fim.

... Por exemplo: à tarde, quando eu terminava o serviço, mudava de blusa e trazia minha costura para a varanda, ele costumava pular de um poleiro para o outro, bater contra as grades da gaiola, como se fosse para atrair minha atenção, bebia um gole d'água, tal como o faria um cantor, e punha-se a executar uma canção tão afinada que eu tinha de largar a agulha para ouvi-lo. Não sou capaz de descrevê-lo; bem que gostaria. Era sempre igual, toda tarde, e eu sentia que compreendia cada nota emitida.

... Eu o amava. Como eu o amava! Talvez não importe muito que coisa amamos neste mundo. Mas devemos amar alguma coisa. É claro, eu tinha minha casinha e o jardim, mas, por algumas razões, não era o bastante. Flores são maravilhosas, mas não sabem demonstrar simpatia. Naquela ocasião eu amava a Estrela Dalva. Isto lhe parece uma tolice? Eu tinha o costume de ir para o jardim, depois do pôr-do-sol, e esperá-la até que brilhasse por cima do eucalipto escuro. Eu costumava murmurar: "Aí está você, minha querida." E exatamente nesse instante ela parecia brilhar só para mim. Ela parecia compreender isso... alguma coisa que é como um anseio, mas não é um anseio. Ou lamento — sim, é mais parecido com lamento. E, no entanto, lamento por quê? Eu tenho tantos motivos para ser grata!

... Mas depois que ele entrou em minha vida, esqueci a Estrela Dalva; não precisei mais dela. Mas foi estranho. Quando o chinês chegou à minha porta vendendo pássaros, ele, em sua pequena gaiola, em vez de se debater contra as grades, como aqueles pobres pintassilgos, soltou um trinado fraco e curto, e eu me vi dizendo, como havia dito para a estrela por cima do eucalipto: "Aí está você, meu querido." Desde aquele momento, ele foi meu.

... Até hoje me surpreendo, quando me lembro de como ele e eu partilhávamos nossas vidas. Na hora em que eu descia, pela manhã, e retirava a toalha que cobria sua gaiola, ele saudava-me com uma notinha sonolenta. Sentia que ele queria dizer: "Tia! Tia!" Então, pendurava a gaiola no prego do lado de fora, enquanto servia o café aos meus três rapazes, e nunca o levava de volta para dentro enquanto não tínhamos a casa só para nós dois. Depois, enquanto eu lavava a louça, era uma diversão completa. Eu abria um jornal sobre um canto da mesa e, logo depois que eu punha a gaiola sobre o jornal, ele costumava bater as asas desesperadamente, como se não soubesse o que ia acontecer. "Você é um perfeito ator", eu gostava de dizer-lhe com ar de zangada. Eu raspava o fundo da gaiola, espalhava areia em cima, renovava a água e o alpiste das latinhas, espetava um pedaço de couve e meia pimenta malagueta na grade. Tenho plena certeza de que ele compreendia e apreciava cada item dessa pequena operação. Sabe, ele era por natureza muito asseado. Nunca havia uma sujeira em seu poleiro. E era preciso ver como gostava de se banhar, para se perceber que ele tinha verdadeira paixão por limpeza. Sua banheira era colocada por último; no mesmo instante ele pulava nela. Primeiro batia uma asa, depois a outra; então, mergulhava a cabeça e umedecia as penas do peito. Gotas d'água espalhavam-se por toda a cozinha, mas ele ainda não queria parar. Eu costumava dizer-lhe: "Agora basta. Você está apenas se exibindo." E por fim ele pulava para fora e, de pé sobre uma das pernas, começava a se bicar para enxugar-se. Finalmente sacudia-se, dava uma pirueta, um gorjeio, levantava a cabeça e... Ah! como dói lembrar. Nessa hora eu estava sempre enxugando as facas e quase me convencia de que elas também cantavam quando eu as esfregava para brilharem em cima da tábua.

... Companhia! É isso, veja, isso é o que ele era. Uma companhia perfeita. Se você algum dia viveu só, compreenderá o quanto isto é precioso. É verdade que havia meus três rapazes, que chegavam para o jantar todas as tardes e algumas vezes ficavam na sala, lendo o jornal. Mas eu não podia esperar que eles se interessassem pelas pequenas coisas corriqueiras do meu dia-a-dia. Por que se interessariam? Eu nada era para eles. Na verdade, eu os ouvira certa vez na escada referindo-se a mim como "O espantalho". Não importa. Não tem importância. Eu entendo muito bem. Eles são jovens. Por que haveria eu de ficar ressentida? Mas lembro-me de me sentir grata por não estar inteiramente só, naquela noite. Eu lhe disse, depois que os rapazes tinham ido embora. Eu lhe disse: "Você sabe de que nome eles chamam a Tia?" E ele deixou cair a cabeça para um lado e olhou-me com seu olhinho brilhante até que eu não pude conter o riso. Aquilo pareceu diverti-lo.

... Você já criou pássaros? Se não, tudo isto vai talvez parecer-lhe exagerado. As pessoas têm idéia de que os pássaros são seres sem coração, pequenas criaturas frias, ao contrário de cães e gatos: Minha lavadeira costumava dizer, nas segundas-feiras, quando queria saber por que eu não criava "um bonito fox-terrier": "Ter um canário não traz conforto, senhora." Não é verdade. É um grande engano. Lembro-me de uma noite. Eu tinha tido um sonho horrível — os sonhos podem ser muito cruéis — do qual, mesmo depois de acordada, não podia livrar-me. Então, vesti minha camisola e desci à cozinha, para tomar um copo d'água. Era uma noite de inverno e chovia forte. Acho que eu estava ainda meio adormecida. Pela janela da cozinha, que não tinha veneziana, a escuridão parecia estar olhando fixamente para dentro, espionando. E de repente senti que era insuportável não ter alguém a quem pudesse dizer: "Tive um sonho tão horrível" — ou "Defenda-me da escuridão." Até mesmo cobri meu rosto, por um momento. Então veio o agradável som "Psiu! Psiu!" A gaiola estava em cima da mesa, e o pano que a cobria havia escorregado, deixando uma fenda, por onde entrava um raio de luz. "Psiu, psiu!" — disse o encantador bichinho outra vez, docemente, como para dizer "Estou aqui, Tia! Estou aqui!" Aquilo soou tão agradável e confortante para mim, que quase chorei.

... E agora ele se foi. Nunca mais terei um outro pássaro, nem qualquer outro animal de estimação. Como poderia ter? Quando o encontrei, deitado de costas, os olhos turvos, as patinhas retorcidas, quando percebi que nunca mais ouviria seu canto tão querido, alguma coisa pareceu morrer em mim. Meu coração ficou vazio, como se fosse a gaiola dele. Eu hei de superar isso. É claro. Preciso fazê-lo. Com o tempo as pessoas se recuperam de qualquer coisa. Dizem que eu sempre estou bem-disposta, e têm razão. Graças a Deus, estou.

... Contudo, sem ser mórbida e mexendo nas lembranças, devo confessar que vejo nisto alguma coisa de triste na vida. Não me refiro à tristeza que todos nós conhecemos, como a doença, a pobreza e a morte. Não, é algo diferente. É lá no fundo, bem no fundo, faz parte da gente, como a respiração. Por mais que trabalhe, por mais que me canse, basta parar para sentir que essa coisa está lá, esperando. Muitas vezes eu me pergunto se todo mundo sente do mesmo jeito. Nunca se pode saber. Mas não é extraordinário que dentro de seu canto alegre, doce, tudo o que eu ouvia era: tristeza? ah, o que é isto?


                                                                                                                             Katherine Mansfield